terça-feira, 25 de outubro de 2011

Foi-se o casarão e com ele um restinho de alma.

Praça Dr. Duarte, fim da década de 70. Ali, num extinto casarão que existia ao lado do tradicional bar Cowboy, funcionava a Associação dos Artesãos de Uberlândia. Nos amplos cômodos do casarão, transformados em galerias e iluminados por extensas janelas, ficavam expostas obras de artesãos da cidade, região e outras partes do país. Pinturas, calçados em couro, objetos em cerâmica, crochê, flautas, livros, roupas, tapetes, objetos em vitral, peças tecidas com muito capricho em teares que funcionavam ali mesmo e muitos outros artigos que neste momento fogem da memória. Eu, adolescente ainda, transitava em meio a tanta arte, sem me dar conta do valor que tudo aquilo tinha e representava. Ali era possível ver pintores dando os últimos retoques em seus quadros, tecelãs dando vida a lindas peças com suas pernas e mãos habilidosas operando os teares, lindos vasos ganhando forma, jogadores de capoeira dançando ao som do berimbau. Ainda me lembro do barulho do assoalho quando correndo pisávamos com mais força nos tacos de madeira daquela imponente construção. Tudo muito simples, mas ao mesmo tempo de uma riqueza que não se pode expressar em palavras. Lembro-me bem que artistas de várias partes do país vinham para Uberlândia participar das feiras de artesanato e para expor suas obras no casarão, que servia também de hospedaria para muitos deles. O próprio prédio da Escola Dr. Duarte abrigou muitos que ali pernoitavam. Infelizmente, o casarão veio a baixo e junto com ele tudo que lá dentro havia e que tanto representava para a arte em Uberlândia. E como sempre, tudo em nome do progresso. O que resta de sua história é uma jabuticabeira, que ficava no pátio e hoje adorna um pequeno estacionamento em frente à Praça Dr. Duarte. E junto com ela um sentimento de tristeza por ver que na minha cidade o concreto tem mais valor que a arte.

sábado, 22 de outubro de 2011

Oficina Cultural, esperança abortada.

Quem conheceu a Oficina Cultural de Uberlândia em meados dos anos 90 por certo traz no coração e na alma um sentimento de perda misturado com lamentação. Lamentação por ver abortado um projeto que tinha tudo para ser o berço da efervescência artístico-cultural em Uberlândia. Ali era possível ao cidadão comum ter aulas de artesanato, dança, teatro, música, filosofia, artes plásticas, cinema, literatura e por aí vai. Ali artistas encontraram espaço para transmitir sua arte, seu conhecimento e para a exposição de seus trabalhos. Ali era o ponto de encontro de quem vinha a Uberlândia para participar do grandioso Festival de Dança do Triângulo, que naquela época tinha glamour, era um grande espetáculo, que pela primeira vez trazia aos palcos os grupos de dança da cidade. Como era bom estar ali naquele prédio histórico da pontinha da Rua Tiradentes, esquina com a praça Clarimundo Carneiro, e sentir toda a energia que dali emanava, fruto da efervescência cultural e artística. Eu que ajudei na redação e revisão de folhetos com ofertas de cursos gratuitos para a população ardia de orgulho por participar daquela profusão de arte e cultura. Infelizmente, como acontece sempre com coisas que estão dando certo, a política deu outro rumo para aquilo tudo, o projeto perdeu fôlego e hoje o que temos não é sequer sombra do que a Oficina Cultural foi um dia. Uma pena porque morria ali uma possibilidade real de ver algo significativo acontecer em Uberlândia nas artes e na cultura. Reitero: só quem viveu aquele momento tem uma real noção do que estou falando. 

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Uberlândia, cidade de aluguel e sem alma.

Definitivamente Uberlândia tem assumido cada dia mais a condição de cidade de aluguel e sem alma. Aqui tem toda a estrutura necessária para se ter uma cidade referência nos esportes, nas artes e na cultura. E sempre é o mesmo discurso: “o que a Prefeitura tem de fazer é oferecer espaços para que a arte, a cultura e os esportes se manifestem, e isso nós temos feito”. Certo, isso não se pode negar, mas, contudo, todavia, porém, se não houver incentivo a coisa não anda de lado nenhum. E eu não vejo a Prefeitura dando esse incentivo, talvez por entender que o incentivo deva partir da iniciativa privada (das empresas) ou dos agentes culturais, a quem caberia o dever de fazer a roda girar. De fato as empresas deveriam se envolver mais, e vai aí um apelo ao pessoal das agências de publicidade para que criem projetos socioculturais e esportivos e envolvam as empresas que são suas clientes. E o momento é oportuno demais para isso porque não se fala em outra coisa senão na tal da responsabilidade social e ambiental.
No que diz respeito aos agentes culturais, eu acho que eles deveriam estar lá dentro da Prefeitura, mas não estão. Quem está lá ocupando as secretarias de esporte e cultura é gente nomeada, não é gente do povo. E quem faz a roda girar na arte e na cultura, minha gente, é gente do povo. Gente de gabinete só entende de números e estatísticas, não tem sensibilidade social nem coragem para peitar a burocracia.
Certa feita estive em uma reunião sobre um campeonato de futebol que iria acontecer na cidade, promovido pela Futel. No meio da reunião um cara, responsável pela Futel na época, meteu a lenha nas pessoas que até então organizavam os campeonatos na cidade, dizendo que elas faziam isso apenas por dinheiro, numa referência inescrupulosa à taxa de inscrição que era cobrada para que os times participassem dos campeonatos. Aí eu quase voei no pescoço do cara. Cacete, se os caras viviam disso, como é que não cobrariam nada? Os caras não precisam comer, por acaso? E é aí que está a maior sacanagem que é feita contra os agentes culturais. Os caras são deixados à míngua, marginalizados, nunca ocupam o centro da mesa. Se cobram qualquer coisa são chamados de mercenários, aproveitadores, oportunistas. Só são lembrados nos palanques porque são valiosos cabos eleitorais.
Um dos primeiros posts deste blog foi uma homenagem que fiz a um senhor negro e quase analfabeto, por apelido de Mangueira. agente cultural na verdadeira acepção do termo, que foi o responsável pela realização das maiores feiras de artesanato da cidade e região (vinha artista de todo o país para cá). Era lindo de ver. O cara fundou a Associação dos Artesãos de Uberlândia. E sabe por que ele fez tanto? Porque era um artista brigando por sua arte. E aí é como mãe brigando pelos filhos.
Por falar em mãe brigando pelos filhos, todo ano uma mulher de fibra tem feito das tripas coração para levar as crianças ao teatro e ao encontro fascinante com a Literatura. Briga com empresas de ônibus, briga com a Prefeitura, briga com empresários. Mas faz acontecer. Esse é o perfil do agente cultural. Das pessoas que deveriam estar lá na Prefeitura ensinando para o pessoal dos gabinetes que não adianta construir palco se os artistas e o público não têm acesso ao palco. Mas, infelizmente, quem está lá prefere fazer propaganda da estrutura que a cidade tem para oferecer, para alugar, numa atitude de quem só pensa mesmo em fazer de Uberlândia uma cidade de aluguel e sem alma. Sem alma porque uma cidade que não incentiva as manifestações culturais não tem alma.
Sou admirador do atual prefeito de Uberlândia, um homem de coragem, de fibra, decente, mas uma das coisas que mais me entristecem é quando em conversas com amigos um deles me pergunta como vão os esportes e as artes em minha cidade. Aí, com vergonha e de cabeça baixa, eu mudo de assunto. Menos concreto e mais alma. É o que peço para Uberlândia.